domingo, 9 de fevereiro de 2014

BLUE JASMINE (2013)

O filme ruim da vez de Woody Allen teve três indicações ao Oscar: Melhor atriz (Cate Blanchett), Melhor atriz coadjuvante (Sally Hawkinse Melhor Roteiro Original para Allen, que sempre o abocanha.

Apesar de qualificado como comédia dramática, eu não diria que o cômico seja exatamente a tônica de Blues Jasmine.

Jasmine, a personagem de Cate Blanchett, foi inspirada em Blanche Dubois, da peça teatral Um Bonde Chamado Desejo, de Tenesse Williams, do que deriva minha inquietação sobre o fato de, mesmo assim, Allen ter sido indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original (original?).

A crise econômica americana é o pano de fundo do filme, que retrata a decadente Jasmine retornando para a casa da irmã pobre que sempre negara, após seu marido golpista, Hal (Alec Baldwin), ter perdido a fortuna e se enforcar na prisão.

O filme todo se desenrola a partir da tentativa de Jasmine de seguir a vida em meio à pobreza que tanto abomina, morando com sua irmã Ginger (personagem que Sally Hawkins construiu com brilhantismo!), os dois sobrinhos e tendo que enfrentar o namorado pobretão e troglodita de sua irmã.

Em meio ao que é, conhecemos o que foi através dos flashbacks muito bem colocados por Allen, que costura o passado e o presente de Jasmine nos dando a ideia de um panorama caótico, neurótico e, ao mesmo tempo, recheado de uma inocência a qual ninguém neste mundo teria o direito de portar.

A questão sobre se dinheiro, posição, fama e requinte são ou não importantes fica clara no cotejo entre a vida da dondoca Jasmine e a de sua irmã, Ginger, que sem dinheiro, posição ou qualquer requinte acaba sendo quem recolhe Jasmine em sua decadência e, mais, Ginger é quem tem casa, filhos, namorado e amor suficiente para acolher a irmã que no passado não lhe tratara com tanto acolhimento.

O olhar machista de Allen sobre o filme, entretanto, deixa clara sua conclusão, durante e ao final do filme: com dinheiro ou sem dinheiro, uma mulher não pode existir sem um homem. E é este o sabor mais azedo de Blue Jasmine, que acaba sendo difícil de engolir por trazer esta questão de forma fechada, sem nem ao menos deixar que a conclusão seja nossa, como na questão do dinheiro.

Quanto à festejada atuação de Cate Blanchett como Jasmine, mesmo me parecendo que ela quer ser Meryl Streep, em não raros momentos do filme me remeteu mesmo a alguma coisa de Marília Gabriela que já vi na dramaturgia.

A música é boa; blues de primeira!

1. Back O’ Town Blues – Louis Armstrong
2. Speakeasy Blues – King Oliver
3. Blues My Naughty Sweetie Gives to Me – Noone
4. A Good Man Is Hard To Find – Lizzie Miles
5. Aunt Hagar’s Blues – Louis Armstrong
6. House Party – Mezzrow-Bechet Quintet & Septet
7. Out On The Town – Kully B, Gussy G & Bilkhu
8. West End Blues – King Oliver
9. Black Snake Blues aka Black Swing Blues – King Oliver
10. Great White Way Performed By Julius Block
11. The Vision Performed By Dj Aljaro
12. Ipanema Breeze Performed By Paul Abler
13. Yacht Club Performed By Julius Block
14. Human Static Bob Bradley, Matt Sanchez & Gavin Mcgrath15. Average Joe
16. Miami Sunset Bar Performed By Mireya Medina & Raul Medina
17. Welcome To The Night
18. Love Theme Performed By David Chesky
19. My Baby Sends Me Aka “My Daddy Rocks Me (part 1)” Performed By Trixie Smith

sábado, 8 de fevereiro de 2014

12 YEARS A SLAVE (12 ANOS DE ESCRAVIDÃO) – 2013

Forte favorito ao Oscar de Melhor Filme em 2014, 12 Anos de Escravidão baseia-se na história real escrita em 1853 por Solomon Northup, um homem negro, livre, que tinha uma bela família e gozava de excelente posição social em sua comunidade, ao norte dos Estados Unidos, mas foi escravizado após ter sido atraído por uma falsa proposta de trabalho.

Solomon era músico, violinista, e acabou sendo enredado por pessoas que se diziam apreciadoras de seu trabalho e queriam contrata-lo, mas reduziram-lhe a um escravo, levado para longe de sua família e comercializado em um mercado juntamente com outros escravos, ainda que fosse um homem livre.

Os fatos se passam em 1941 e Steve McQueen, que também é um homem negro, nos oferece um filme de grande beleza e sensibilidade; um drama pungente que nos comove e choca.

Steve McQueen é um dos indicados ao Oscar de Melhor Direção.

A interpretação de Chiwetel Ejiofor faz de Solomon Northup é perfeita e a indicação ao Oscar de Melhor Ator pelo papel é acertada.

Algo no filme, entretanto, deixa na boca um sabor amargo em relação ao tema... Há, em 12 Anos de Escravidão, uma espécie de afirmação sub-reptícia em relação à subserviência da alma no negro.

Solomon Northup, ao longo do filme, vai se despindo de sua condição de homem livre e de seus atributos aristocráticos e se vestindo com a condição de escravo de um modo muito tocante e servil.

É certo que, em se tratando de uma história real, escrita pelo próprio Solomon, talvez não tenha restado muito a fazer por Steve McQueen neste sentido, mas, o grande pecado do filme é manter a passividade de Solomon como um homem vitimizado, que vai aceitando seu flagelo e cujas resistências se desarmam a cada nova chibatada e sofrimento.

E por falar em sofrimento, Michael Fassbender está glorioso na pele do fazendeiro que lhe impinge os maiores sofrimentos e merece muito o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para o qual foi indicado.

John Ridley assina o roteiro e declarou que o escreveu de graça: “Não havia orçamento definido para produzir o longa, então eu disse que encararia como um projeto experimental, o que significa que trabalhei de graça. Porque mistérios insondáveis isto terá influenciado na submissão de Solomon em seu roteiro, somente Freud poderia explicar...

Destaque importante também para Lupita Nyong'o na pele da frágil escrava, Patsey, preferida sexual do fazendeiro exposta ao sadismo de sua esposa e aos ataques violentos do senhor de escravos. Lupita é estreante, mas tenho a impressão de que ainda ouviremos muito seu nome. Sua participação no filme lhe rendeu a merecida indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. 

Quando tudo termina, mesmo com a catártica libertação de Solomon e seu reencontro com a família, fica aquela desagradável sensação de submissão humana, aquela a qual nos sujeitam e a qual, também, estranhamente, nos deixamos sujeitar.

Ah, Brad Pitt faz uma ponta no final do filme, como o advogado canadense que ajuda Solomon a recuperar sua liberdade. É uma bela ponta.

12 Anos de Escravidão tem 9 indicações ao Oscar de 2014: Melhor Filme, Diretor, Ator (Chiwetel Ejiofor), Ator Coadjuvante (Michael Fassbender), Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong'o), Roteiro Adaptado (John Ridley), Figurino, Montagem e Design de Produção.



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

THE BUTLER (O MORDOMO DA CASA BRANCA) - 2013

Não consigo compreender porque O Mordomo da Casa Branca ficou fora da disputa pelo Oscar sendo um filme completamente americano, como é.

Inspirado na história verídica de Eugene Allen, o mordomo que trabalhou na Casa Branca durante 34 anos (entre 1952 e 1986) e que no começo do filme é um garoto negro que vê seu pai escravo ser assassinado na fazenda de algodão após o estupro de sua mãe pelo senhor de escravos, o filme é uma ode americana aos direitos civis.

Oprah Winfrey (A Cor Púrpura) está perfeita no papel de Gloria, a esposa de Eugene, que no filme recebe o nome de Cecil Gaines (vivido por Forest Whitaker, e merecia uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz).

O filme tem ainda, em papeis secundários, Vanessa Redgrave como a matriarca da fazenda de algodão, Robin Williams como Eisenhower, John Cusack como Richard Nixon, Jane Fonda como Nancy Reagan, além de Cuba Gooding Jr., Terrence Howard, Lenny Kravitz e a cantora Mariah Carey.

O diretor Lee Daniels foi fartamente criticado por ter feito um dramalhão, com trilha sonora manipuladora e absurdos como sugerir que conversas tidas entre o mordomo e alguns presidentes americanos possam ter influenciado decisões destes.

Entretanto, The Butler me parece mais libertador e construtivo do que 12Anos de Escravidão que, até agora não entendi porque, recebeu 09 indicações ao Oscar.

Explico: em The Butler temos um paradoxal comportamento entre o Mordomo e seu filho Louis (David Oyelowo). O pai, após o assassinato de seu pai na infância, fora levado para dentro da casa e treinado para servir aos brancos sem ser notado.

Mais tarde, como mordomo da Casa Branca, fora advertido de que não poderia ter preferências políticas “não se admite política na Casa Branca!”.  É, portanto, um negro passivo, não resistente às questões raciais que flamejam em seu país à época dos fatos.

Mesmo assim, pacificamente, anualmente se dirige ao gestor dos mordomos na Casa Branca e repete o aviso de que os negros precisam receber como os brancos pelo mesmo trabalho que desenvolvem ali e ter algumas chances de progredir, ainda que saiba que a resposta sempre será algo como “ponha-se no seu lugar”.

Pois bem, o filme recebe críticas ferozes por sugerir que algumas conversas entre presidentes americanos e o mordomo poderiam ter influenciado seus discursos em dados momentos, e eu pergunto: por que não?

A “passividade” do mordomo mais se assemelha a não-resistência proposta por Gandhi do que a submissão do personagem escravizado em 12 Anos de escravidão.

É certo que há um grande conflito entre o mordomo e seu filho Louis, que vai por um caminho de extremo ativismo racial, militando nas colunas de Martin Luther King e Malcon X, sendo constantemente aprisionado e espancado, mas sem desistir de sua luta, jamais se rendendo a imposição de não-resistência do pai.

Mas ao final, a despeito de todo o mega aparato utilizado por Lee Daniels para descrever este longo e crucial período da história norte americana, e apesar de seu excesso de didatismo, o filme traz a identificação da imensa importância dos dois tipos de luta: a aquela que se dá de modo intensamente ativo e a que se dá através da não resistência, mostrando o quanto ambas têm papel fundamental na transformação das coisas.

Em 12 Anos de Escravidão, ao contrário, fica na boca um amargo sabor de submissão e mais nada.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

THE BROKEN CIRCLE BREAKDOWN (2013)

The Broken Circle Breakdown (O Círculo Quebrado) é o filme belga, dirigido por Felix Van Groeningen, que concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014.

Este é somente o quinto trabalho de Felix Van Groeningen, de 36 anos, e o filme já ganhou muitas premiações na Europa.

É um filme forte e denso, que fala sobre a vida e a morte de forma intensa e crua, porém bela.

Johan Heldenbergh vive Didier, um cantor ateu country e sua história de amor com Elise, interpretada por Veerle Baetens, que também é cantora. A interpretação de ambos é simplesmente bárbara e arrebatadora!

Na linha natural da vida, ambos se apaixonam, se unem e têm uma filha. A criança, vivida pela menina Nell Cattrysse, completa o trio de atores magníficos que torna o filme ainda mais significativo pela capacidade que têm, juntos, de nos transportar para as dores da existência e nossas questões humanas mais cruciais.

O próprio Johan Heldenbergh escreveu a peça na qual o filme se baseou.

É a história de Didier e Elise, o originalíssimo casal, ele um vaqueiro que toca banjo num quinteto, ela uma tatuadora, que após se unir a ele passa a se dedicar à interpretação de música country no mesmo grupo musical.

Elise engravida acidentalmente e a vida segue seu curso até que de repente o casal se confronta com o luto: Maybelle, a filha que tiveram está com leucemia aos seis anos de idade.

O círculo da vida está quebrado. Como quebrar o círculo da morte?

O modo como Van Groeningen trabalha com os mecanismos da raiva e da dor é simplesmente perfeito! Aqui a morte vai chegando, mansa, e, ainda que pareça nos dar trégua em algum momento, ela está ali, implacável, sob a exímia regência de Van Groeningen.

Elise tem crenças, mas Didier está certo de que a morte termina com tudo.

Elise tem seus sonhos tatuados por todo o corpo e pergunta a Didier, quando se conhecem, se ele não tem nada na vida que valeria colocar em seu corpo. Ele diz que sim, mas não precisa tatuar...

Neste diálogo, uma das coisas que ele confessa amar é a América, devaneando sobre o fato de ser um lugar onde as pessoas podem recomeçar suas vidas quando quiserem.

Mais tarde, após a morte da filha, num dado momento em que Didier vê Bush na televisão dizendo que vetou as pesquisas com células tronco por questões éticas “relativas ao Criador”, então seu sonho americano se desmorona e vemos um Didier proferindo o seguinte discurso em estado de crescente indignação:

Durante meses ficamos rodeados de células estaminais e tivemos a sensação de que a ciência médica não estava indo longe o suficiente. Que tenha sido posto um freio. É um sentimento que você não consegue explicar e seu filho morre e então você ouve um bastardo como esse que tem retardado tudo durante anos por motivos religiosos”.

Elise então lhe interrompe para dizer: “Didier, isso é a América! Aqui é permitido, mas lá eles ainda não chegaram a esse grau de evolução”.

Didier, crescendo em dor e inconformismo, repete a pergunta: “Por que esses idiotas vêm retardando tudo durante anos?”

E segue, numa crescente raiva: “Mas o que lhes dá o direito de fazer isso? Eles se autodenominam ‘pró vida’... A tecnologia deles para matar pessoas não conhece limites, mas quando se trata da tecnologia para curar pessoas é outra história. Tudo porque os embriões são cultivados fora do casamento. Embriões do tamanho de uma cabeça de alfinete! Canalha hipócrita! Pró vida uma ova! Bando de fundamentalistas extremistas, enfiem sua cruz no rabo ao lado de seu cérebro. Maldição! O mundo inteiro está obcecado com religião. O mundo inteiro ficou louco”.

Apesar da profunda verdade inserida nas palavras de Didier, ele só está buscando alguém a quem culpar pela morte da filha e é nesta toada que o filme se desenrola; Elise tenta culpar Didier que tenta culpar a América, mas ambos estão, na verdade, o tempo todo lidando com as próprias culpas.

E essa dinâmica é realizada com muito talento por Van Groeningen.

O filme emociona, e muito, ainda que não haja manipulações emocionais.

Se peca em algo é no excesso de músicas do quinteto de Didier, onde Elise também é solista, mas as músicas são ótimas e a performance musical do grupo, bem como a voz suave de Veerle Baetens, que interpreta Elise são deliciosas.


A cena final fica pra sempre gravada no coração, mas eu não vou contar, porque já tem gente bastante reclamando desse negócio de eu sempre contar o filme inteiro. Assista.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

LA GRANDE BELLEZZA (2013)

Por que você nunca mais escreveu um livro?” Pergunta a velha freira quase santa, que fez voto de pobreza e se alimenta apenas de alguns gramas de raízes amargas por dia, ao escritor personagem central do filme, que lhe responde que é porque “eu procurava a grande beleza, mas... Não encontrei”.

"Sabe por que eu só como raízes?", Responde a velha freira com uma nova pergunta.

 “Não... Não, por quê?”, quer saber o escritor.

Porque as raízes são importantes”.

O italiano Paolo Sorrentino nos presenteia com este, que não é um filme e sim uma obra de arte. Pouco a falar, portanto, e muito a sentir e a apreciar.

Com visíveis influências de Fellini, o filme é quase uma releitura de La Dolce Vita, onde Marcello Mastroiani interpreta também um jornalista da alta sociedade italiana e a fluidez do lúdico e do absurdo nos inebriam.

Aqui, o charmosíssimo Toni Servillo é o refinado jornalista Jep Gambardella, autor de um só único livro, que busca inspiração para escrever mais.

Ao fundo, Roma. Não somente a cidade de Roma, muito mais: a Ideia de Roma! Aquela que permeia todo o nosso mundo ocidental, com seu brilho e decadência, e o poder, e a manipulação das coisas através da religião, ainda que, ao final, Sorrentino separe a religião da espiritualidade e resgate a espiritualidade humana como algo que nos liberta e inspira.

A Grande Beleza, ainda que uma ilusão, pode estar em tudo, ou em nada, mas, certamente, você a encontrará nesta belíssima obra de Sorrentino que ordena o caos, que em si mesmo oferece, nos proporcionando o êxtase da sensibilidade em todas as cenas; na música, no roteiro, em tudo que nos faz ficar parados até terminar o último crédito, porque o filme não acaba, ele se despede em movimento e permanece dentro da gente ainda muito depois de assisti-lo, estou certa de que para sempre.

Ao recuperar sua inspiração para escrever, ainda somos brindados por esta magnífica fala de Jep Gambardella:

“Termina sempre assim; com a morte.
Mas primeiro havia a vida; escondida sobre o blá, blá, blá, blá, blá.
Está tudo sedimentado sobre o falatório e os rumores: o silêncio e o sentimento, a emoção e o medo; os insignificantes e inconstantes lampejos de beleza... Depois a miséria desgraçada e o homem miserável; tudo sepultado sob a capa do embaraço de estar no mundo blá, blá, blá, blá.
O outro lado é o outro lado. Eu não vivo do outro lado. Portanto, que este romance comece.
No fundo, é apenas uma ilusão. Sim, é apenas uma ilusão”.

 A Grande Beleza concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014.