terça-feira, 28 de janeiro de 2014

HER (2014)

Perdoem-me os conceituados críticos de plantão, mas HER é muito mais (mas muito mais mesmo!) do que “um filme de Spike Jonze que cria um relacionamento ‘surpreendentemente possível’ entre homem e máquina”!

Ainda que o personagem Theodore Twombly, interpretado lindamente pelo magistral Joaquin Phoenix, realmente se apaixone por um OS (sistema operacional), cuja bela voz rouca de mulher fora programada em prévia triagem do OS sobre os seus desejos, a questão de ser ou não um software dotado de inteligência artificial é única e tão somente uma parábola.

Do que Spike Jonze (“Quero Ser John Malkovichestá a nos falar ali, na verdade, é sobre o fato de que, amores possíveis ou não, nos apaixonamos e, quando isto acontece, despertamos do perigo de permanecer para sempre adormecidos.

Pena que o filme esteja sendo definido como a história da paixão de um homem pela voz de um sistema operacional... Esqueça a coisa do sistema operacional!

Samantha, a bela voz de Scarlett Johansson pela qual Theodere se enamora e que nasce da instalação de um software em seu smartphone, é, na verdade aquele Outro, para o qual se olha naquele momento em que você tinha certeza de que jamais voltaria a perceber ou se interessar por alguém.

Theodore sofre com o fim de seu casamento e os encontros reais com mulheres de carne e osso não têm sido frutíferos. Nem nos chats em salas de bate-papo o solitário homem consegue se interessar por alguém.

Theodore trabalha numa empresa chamada Cartas de Amor Escritas a Mão ponto com ou algo assim, e tem como profissão escrever belíssimas cartas de amor para as pessoas.

Pela qualidade das cartas que escreve, podemos ver que é dotado de sensibilidade e muita ternura, mas Theodore é uma espécie de Orpheu, que alivia as dores alheias, com suas belas cartas de amor, mas não consegue encontrar remédio para suas próprias dores.

Encontramos o personagem nesse momento difícil, com um trabalho bem inferior ao seu potencial, mergulhado em sofisticados jogos de videogame, cheio de lembranças da esposa, com quem convivera desde muito jovem e se recusando a assinar o divórcio. “Gosto de estar casado”, diz ele a Samantha quando começa a conversar com a inteligência artificial que logo se mostrará uma deliciosa companheira.

Samantha, de início, se mostra de grande utilidade prática, pois consegue acessar rapidamente os e-mails de Theodore e gerenciá-los, apagando o que não tem utilidade, respondendo com perfeição os que devem ser respondidos, ou seja, o relacionamento entre eles nasce do apoio, da ajuda e da admiração que a eficiência dela gera nele.

A capacidade de interação de Samantha, muito mais do que um simples robô sem corpo, vai atraindo para si Theodore e, quando ele se dá conta, já sente necessidade do contato diário com a voz que o compreende e passa a apoiá-lo também em seus assuntos emocionais, percebendo-o em seus tons de voz, sua tristeza, alegria, desânimo... Sua dores...

A curiosidade de Theodore sobre tamanha capacidade de Samantha leva-a informa-lo: "Eu evoluo a cada momento. Eu quero ser tão complicada quanto todas as pessoas".

Samantha desbrava sua própria existência através da interação com Theodore, e, aos poucos, admite seus pensamentos pessoais, inseguranças e ciúmes, questionando se "esses sentimentos são reais ou só programação?".

É a partir da interação entre ambos, que mergulhamos de cabeça na história, ao tempo em que vislumbramos os nossos próprios relacionamentos e passamos a sentir fortemente aquilo que o filme nos desperta: paixão, ternura, poesia e uma infinidade de sentimentos outros, todos ligados ao amor.

No filme há, certamente, algo voltado para os tempos modernos, mas no sentido das relações virtuais (quem nunca?) e não necessariamente da questão da inteligência artificial e do relacionamento com uma máquina.

Evidencia-se o relacionar-se com alguém sem corpo; as maiores angústias de Samantha, inclusive, nascem do não ser corpo e, ainda que haja sexo entre ambos (numa belíssima cena onde ele desperta nela o desejo nunca dantes sentido e ambos se entregam um ao outro), a maior queixa de Samantha é o “não ser corpo”.

Tanto que, a certa altura, Samantha convence Theodore a receber em casa uma mulher que “empresta” o corpo para OSs. É interessante e criativo o expediente, pois Samantha vê através da câmera e gruda-se uma, bem pequena, no rosto da mulher, colocando-se um fone de ouvido em ambos, a mulher e Theodore. Quem Theodore ouve é a voz de Samantha.

Olha o nível da angústia do não poder tocar-se, ser-se, dar-se!

O expediente não funciona; o que para Samantha parece natural, para Theodore é um sacrifício e a mulher, embarcando nas carícias, acaba mexendo os lábios, a certa altura, o que lembra Theodore de que ela não é Samantha e nada chega a acontecer.

Apesar disto, Theodore, satisfeito, confidencia sobre sua relação para a amiga e vizinha: “quando conversamos eu me sinto próximo dela. Eu sinto que ela está comigo. Quando apagamos a luz durante a noite, eu me sinto abraçado.

Por não ter um corpo, Samantha compõe músicas para Theodore ao piano. “Já que nós não podemos tirar fotografia juntos, eu tento compor  melodias que possam expressar nossos momentos juntos”.

Os diálogos são riquíssimos e a voz rouca de Scarlett Johansson é muito mais que uma voz e merecia a criação de um prêmio extraordinário do Oscar este ano: melhor interpretação de voz!

É simplesmente fantástico o que ela consegue fazer com aquela voz sob a batuta de Jonze e, assim como para Theodore, Samantha assume formas corporais em nosso imaginário.

Quando Theodore diz a Samantha que ainda se lembra da esposa e que conversa com ela mentalmente, lembrando-se das brigas que tiveram e das coisas que disseram um ao outro, Samantha responde que compreende o que ele está dizendo, porque se pegou lembrando-se do dia em que ele lhe dissera que ela “não sabia o que era perder alguém.”

Ele começa a lhe pedir desculpas pela mágoa que lhe causara, mas Samantha lhe responde: “está tudo bem! É só que me pego pensando nisso de novo e de novo... E então percebo que estava só lembrando de algo que estava errado comigo; era uma história que contava a mim mesma, de que eu era inferior. Não é interessante? O passado é uma história que nós contamos!”

É bela a sequência em que eles falam sobre a “fantasia do amor” e ela o lembra de que a paixão é um estado de insanidade, “uma forma socialmente aceitável de insanidade”.

O casamento de Theodore terminara, segundo ele, quando o casal começou a mudar e as mudanças aconteceram muito rápido, sem que deixassem de assustá-los um ao outro. O crescimento do outro como fator de temor e assombro.

O relacionamento entre Theodore e Samantha termina pelos mesmos motivos, ainda que guardadas as assombrosas proporções da ultra veloz capacidade cibernética de Samantha.

O começo, meio e fim do relacionamento de Theodore e Samantha não é diferente dos nossos! Por isso, não se iludam que o foco do filme seja o apaixonar-se por uma máquina, ou algo assim!

Não é!

HER é um belo conto de amor humano. A forma como ambos constroem uma relação, a compreensão, o dar-se, o desejar-se a partir do apoio mútuo, o amparo, o cuidado, o crescer...

Crescer que muitas vezes é difícil de ser acompanhado pelo outro e traz em si a necessidade da partida, rumo a novas descobertas, experiências, velocidades, paisagens... Não importa, um sempre estará no outro.

Isso, inclusive, é dito por Samantha mais no início do filme, num diálogo em que ele chega em casa e pergunta a ela o que esteve fazendo.

Samantha diz que estivera lendo Física porque achara interessante o quanto ficou brava quando ele foi se encontrar com Catherine pessoalmente para assinar os papéis do divórcio, por ela ter um corpo. “Eu fiquei chateada por tudo em que somos diferentes. Mas depois comecei a pensar em tudo o que somos iguais. Por exemplo, somos todos feitos de matéria; isto me faz sentir que estamos todos sobre o mesmo cobertor, macio e acolhedor; e tudo abaixo dele tem a mesma idade: temos todos 13 bilhões de anos de idade”.


HER foi considerado o melhor filme pela National Board of ReviewSpike Jonze, também foi reconhecido pelo seu trabalho e levou um prêmio para casa. Além de Phoenix e de  Scarlett Johansson, ainda que só de passagem, Amy Adams  também faz parte do elenco.

Vencedor do Golden Globe de Melhor Roteiro, o filme tem, também, uma trilha sonora linda e pertinente.

São treze músicas instrumentais do Arcade Fire, e o filme recebeu indicações ao Oscar de Melhor Som e de Melhor Canção Original (William Butler e Owen Pallet devem receber o prêmio, por Song on the Beatch).

HER, que teve cinco indicações, também foi indicado aos prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção de Arte, Melhor Roteiro Original.

A Academia pecou ao não indicar Joaquin Phoenix ao prêmio de Melhor Ator.

Aqui o álbum completo do Arcade Fire que é a linda trilha sonora de HER pra você se deleitar: https://www.dropbox.com/sh/181q1jbyb4iq8la/Nwz-AcpYQC


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

FROZEN (2013) - a subversão do conto de fadas

Uma animação contemporânea, finalmente! 

Frozen é um conto de fadas que fala de amor.

Até ai nenhuma novidade.

Acontece que Frozen já começa desconstruindo os arquétipos da Imperatriz e do Imperador, fazendo desaparecer o rei e a rainha logo no início da animação, mas, não sem antes deixá-los posicionados em relação às duas filhas que têm.

Frozen parte, portanto, de um ponto para um pouco além do momento em que os pais tratam de forma diferente duas irmãs e, como no mito de Narciso, negam-lhes o conhecimento a respeito de si mesmas, encerrando-lhes num cenário obscuro, de portas cerradas e cortinas fechadas para o mundo.

Para além do rei e da rainha, Frozen se inicia mesmo a partir do amor entre duas irmãs.

Sim, para felicidade geral da nação, há príncipes em Frozen! Ao menos um príncipe titulado, que, depois se vê, é um sapo, e há também um sapo que acaba virando príncipe, mas a animação vai mesmo é na toada das menininhas. 

Há também o apaixonante Olaf, o assexuado boneco de neve que funciona como uma espécie de “grilo falante” da história do Pinóquio, uma consciência reflexiva, só que muito mais ingênua e romântica e, até, nesse aspecto, uma consciência muito mais feminina do que o rígido e masculino grilo da outra história. 

Os meninos coadjuvam a história! Os heroicos atos de bravura e heroísmo em favor de si próprias são praticados mesmo é pelas mulheres e qualquer semelhança com a realidade certamente não terá sido mera coincidência.

Isto porque as verdadeiras heroínas do filme não ficam esperando pelos desajeitados meninos e assumem seus poderes, sem, entretanto, renunciar ao aconchego e ao prazer da companhia masculina.

Uma delas, né, por que a outra irmã (a mais diferentona!) parece mesmo não dar pista sobre se deseja ou não a companhia de um príncipe ao seu lado. Em última análise, é a representação da mulher que escolhe viver só, diante dos imensos poderes que tem e os quais não consegue controlar, por desconhecer-se a si mesma.

E é por isso que o filme é sensível! Por que tem a irmã hetero, tem a que parece não ser hetero, tem o príncipe malvadão que parece ser bonzinho, sabe, aquele que te jura amor eterno, mas só estava era de olho no teu trono?, tem o homem comum e desajeitado que na verdade é um príncipe... Enfim, toda diferença em Frozen é respeitada com carinho, até a subversão da ordem relativa ao complexo de cinderela!

A questão do gelo, do coração congelado que só pode ser curado por um ato de amor verdadeiro, ato este que advém, ao final, de um amor diferente daquele preconizado pelos contos de fadas que ouvimos e assistimos até hoje, e ai está a maior beleza de Frozen, na ousadia de mostrar as coisas como são e não como foram um dia!

A grande riqueza de Frozen está no fato dessa subversão da ordem posta ter sido trabalhada de modo tão extremamente harmônico e agradável, abrigando e agregando tudo em si, ao tempo em que demonstra e faz sentir uma verdade insofismável sobre o fato de as mulheres terem assumido seu próprio destino como consequência natural da vida, a despeito dos paradigmas arquetípicos.

Em Frozen, as mulheres assumem seu próprio destino com graça, leveza e beleza, sem destituir o masculino, apenas parecendo compreender os elementos presentes na construção do masculino, assim como o ser feminino ali é naturalmente compreendido, sem restrições, chacotas ou jargões.

Os trolls, criaturinhas mágicas da animação, que ocupariam o papel do “divino” na história, mesmo sendo aqueles a quem se busca em procura de ajuda para o que não se pode resolver humanamente (ou contodefadísticamente), também não são detentores do poder absoluto; estão sempre ali, em forma de pedras e convivem harmonicamente com quem os procura, sem impor medo ou temor, ainda que, como dito a certa altura: “todo mundo precisa de algum reparo”.

Sim, “todo mundo precisa de algum reparo” e essa é a ideia central de Frozen, ao lado da coisa do amor verdadeiro: somos seres imperfeitos em constante evolução.

“Todo mundo precisa de algum reparo”, mas, convenhamos, Frozen é irretorquível!

Dedico este post a minha lindíssima irmãzinha, Cristiane Mandarino, na certeza de que o amor de irmãs é o grande arquétipo da vida feminina no Universo: a vida feminina brotada, nascida, parida para fora das águas do mesmo útero materno! Te amo, Irmã!

Frozen tem duas indicações ao Oscar 2014: Melhor Longa de Animação e Melhor Canção Original.

domingo, 12 de janeiro de 2014

GRAVITY (2013)

O mexicano Alfonso Cuarón nos presenteia com este filme tão bonito, onde a grandeza externa do Universo contrasta com as angústias que permeiam nosso universo interno.

O que parece, e talvez, esteja classificado como, uma obra de ficção, é, na verdade uma obra que diz muito mais com o psiquismo do que com ficção científica.

Tanto que Cuarón não deu a mínima para as críticas de astronautas apontando erros científicos no filme, como a posição dos cabelos dos atores em órbita e coisas do gênero.

É que o filme orbita mesmo em torno de questões muito mais subjetivas do que técnicas. Que surpresa grata para quem, como eu, não é chegada em ficção científica!

Gravity fala sobre a vida e sobre a necessidade de renascer. Ótimo para os que temos nossas dificuldades com nascimentos e recomeços!

Fala sobre a vida de uma forma simples, como a vida deve ser, se utilizando de um roteiro minimalista e de um argumento clichê: a doutora Ryan Stone, interpretada por Sandra Bullock, perdeu uma filha de 4 anos e está no espaço para consertar o telescópio Hubble junto a uma tripulação que morre toda logo no começo e o astronauta experiente Matt Kowalski (George Clooney) passa tempo suficiente ao seu lado para lhe perguntar se tem alguém na Terra olhando para cima a sua espera.

Aliás, o roteiro é do próprio Alfonso em parceria com seu filho, Jonas Cuarón.

A luta da astronauta envolve graves fatores externos (alheios a sua vontade), mas quem decide se quer continuar VIVA é a própria personagem.

A grandeza do humano, tão pequeno diante do Universo imenso!

Um belo filme que, apesar do argumento clichê, foge do lugar comum ao falar de recomeço e de VIDA de uma forma tão original.

A aterrisagem da astronauta na Terra, depois que ela faz sua opção pela VIDA, o modo como submerge do mar é cena de grande simbolismo: a origem da vida, o recomeço, a vida original se (re)formando para sair caminhando cambaleante em direção a terra firme.

A astronauta nas águas de um útero maior, dando a luz a si mesma. O parto. As dificuldades de vir à luz, de nascer, o que só se torna possível a partir do desejo. A pulsão original que gerou a vida na Terra e que faz a gente nascer e renascer a cada dia.

Gravity foi o filme de abertura do Festival de Veneza 2013.

Tenho que concordar com a declaração de Alfonso Cuarónde que Gravity é o "melhor filme de espaço já realizado".


O Globo de Ouro de Melhor Direção ele já levou.

sábado, 11 de janeiro de 2014

O LOBO DE WALL STREET (2014)

O mais perfeito nome para este filme seria, na verdade, “O que terá acontecido com Martin Scorsese?”

Talvez porque a nova invenção do Scorsese seja mesmo dirigir filmes para ganhar prêmios em Hollywood, talvez porque eu tenha entrado para ver o lobo logo após ter saído da sala de cinema da águia Lars Von Trier com sua Nymphomaniac, mas a verdade é que o que vi ali, em O Lobo de Wall Street, foi um filme milimetricamente planejado para ser premiado na academia, nada mais.

O que espantou mesmo é ser um filme de Scorsese.

Olhando bem, não deveria espantar tanto, pois em 2012 Scorsese já trouxera ao mundo “A Invenção de Hugo Cabret”, feito para ganhar prêmios na Academia – e ganhou cinco.

George Clooney fez muito melhor em TUDO PELO PODER (2012), ainda que a temática fosse outra.  

A fábrica de Scorsese já tem no prelo, para 2014, o filme Silence, cuja sinopse é “Século XVII. Dois padres jesuítas viajam até o Japão, onde precisam investigar acusações de perseguição religiosa” - dessa vez sem Di Caprio, e para 2015 o filme de suspense “The Snowman”, cujos atores ainda são desconhecidos.

O Lobo de Wall Street é uma adaptação do livro de “Memórias de Jordan Belfort”. Tá, dói saber que a história é real e que Belfort foi um vigarista financeiro americano que foi investigado pelo FBI até ser preso e entregar todo mundo por uma pena menor.

Mas o pior de tudo é a forma como o filme nos apresenta “O Lobo” em seu envolvimento com drogas, prostitutas e as transações de seu mercado de ações paralelo, num ensandecido culto ao dinheiro, que parece ter como objetivo continuar sendo apreciado após o final do filme, por quem com ele se identifica.

Jordan Belfort é o cara que representa “o guia”, “o pastor”, “o lobo” que conduz as pessoas que estão com ele à ética da prosperidade americana, sem se importar com os meios, desde que o final “ganhar dinheiro” seja alcançado.

Nisto, temos que admitir que Scorsese consegue nos passar bem a sensação de que toda aquela loucura que está ao redor de Jordan é, na verdade, fundada no mesmo princípio em que se assentam algumas igrejas e seitas, assim como se assentou o Estado norte-americano em sua ética protestante que sempre girou ao redor do dinheiro.

O filme é delirante, é certo, Jordan, após ingressar como corretor no mercado de capitais, vai da extrema perda ao ápice da fortuna aproveitando oportunidades paralelas ao mercado oficial sem dar a menor satisfação à Comissão de Valores Mobiliários e se tornando um lobo poderoso, na medida em que também torna ricos os homens que treinou para comandar este mercado.

No mais, é aquela impressão de eu já vi essa luxúria toda em “Cassino” (do mesmo Scorsese) e, ao final, a sensação de que o crime compensa e de que talvez Jordan tenha feito mesmo atos de humanidade ao enriquecer-se e enriquecer pessoas ao seu redor.

Vi um pessoa tirando os óculos e limpando as lágrimas numa cena em que Jordan faz um dramalhão à frente de sua bolsa de valores paralela, a Stratton Oakmont perante as centenas de “corretores” que tinha, com o microfone na mão, dizendo que ajudou uma corretora, que quando chegou para ele estava com o aluguel atrasado e um filho de oito anos pra criar e hoje vestia ternos Armani de três mil dólares e tinha uma Mercedes (amém, irmãos? Amém!).

Eu não chorei, só ri! Aliás, ri muito diante de cenas pastelões do patético Jordan e seu sócio e estranho amigo Donnie Azoff, interpretado pelo excelente Jonah Hillextremamente drogados e caricatos. Aliás, nessa linha comédia besteirol, o filme tem lá o seu mérito.

Di Caprio e Jonah Hill estão muito bem como atores e não me surpreenderia uma indicação para melhor ator e coadjuvante ao Oscar deste ano. Aliás, Di Caprio, como está maduro e bonito e pleno!

Ao final, a sensação é de que Scorsese glorificou mesmo os crimes financeiros de Jordan, absolvendo-o como absolvido devem ser os Estados Unidos da América e como absolvido deve ser (deve?) Scorsese por se preocupar tanto em fazer apenas um filme comercial, quando a gente sabe que o grego pode dar muito mais que isso.

Mais que isso, a certeza de que o filme sublinha um tratamento da mulher como objeto e um culto ao machismo como coisa extremamente natural, com a qual Scorsese não precisaria compactuar, mesmo que quisesse se manter fiel ao livro. Para isso servem os bons diretores.

A falta da catarse aristotélica ao final, tão necessária num filme como este, me soa como algo perigoso para o mundo que absorve o que vê sem criticar.

No mais, mais nada. Só assista se você quiser estar atualizado no dia da premiação do Oscar em março.

Tá, Di Caprio e Jonah Hill valem o filme!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

NYMPHOMANIAC- VOLUME I

A gente sai do cinema depois de uma almejada sessão do gênio Lars Von Trier, não, espera... A gente não quer sair nunca mais do cinema depois que, subitamente, sobem os créditos avisando que está encerrado o Volume I de Nymphomaniac, mesmo com cortes visíveis e tendo que aguardar a continuidade do filme que, noticia-se, será em maio no Brasil.

Difícil expressar em palavras as impressões causadas pela direção meticulosa, que se faz presente em cada detalhe, na performance dos atores, na luz, no som, nas cores, nos gestos, ahhhhhhhh... Êxtase!

Dividido em capítulos, como já faz Lars há tempos em seus filmes, Nymphomaniac tem dois volumes com oito capítulos: The Compleat AnglerJerome, Mrs. H, Delirium, The Little Organ School, The Eastern and Western Church (The Silent Duck) e The Gun.

Joe, (Charlotte Gainsbourg) é encontrada toda machucada e semi-inconsciente, deitada na rua, pelo velho Seligman (Stellan Skarsgard) que quer chamar uma ambulância, mas, diante da resistência de Joe, a leva para sua própria casa e lhe dispensa tratamento acolhedor.

Durante todo o Volume I, Joe está deitada, recuperando-se numa cama de solteiro, num cômodo da casa de Seligman, a ela dispensado, mas ali é, claramente, a representação de um divã, onde o velho ouve atentamente sua história desde a infância, repleta de culpas, onde ela se confessa uma ninfomaníaca desde criança.

Seligman interfere exatamente nos limites de um analista, sem perplexidade diante das histórias picantes relatadas por Joe, inclusive sua relação de desejo consumado por seu pai, interpretado lindamente por Christian Slater, que é o homem fraco da vez no Volume I de Nymphomaniac (em todos os filmes de Lars, há um personagem masculino fraco).

Diante dessa relação incestuosa, a mãe de Joe é descrita como uma mulher que “vira as costas e joga paciência”.

Enquanto Joe, na pele de Charlote Gainsbourg, conta as histórias para o velho Seligman, as cenas são revividas na interpretação da modelo Stacy Martin, a Joe adolescente.

Uma sucessão de personagens masculinos, ao melhor estilo Lars Von Trier, desfila diante de nossos olhos, a começar pelo moço que a deflora a seu pedido, passando pelos inúmeros amantes que a ninfeta viciada em sexo recebe em casa, com destaque para um que, acreditando no logro da jovem decide deixar mulher e filhos e se mudar para a casa de Joe, o que é tudo que ela menos quer, mas tinha usado isto como pretexto para descarta-lo.

Neste particular, impagável a cena em que o homem chega no apartamento de Joe com a mala, e, logo atrás dele estão os dois filhos e a esposa, vivida por Uma Thurman, que vieram juntos para entrega-lo ao “novo lar”.

Discurso impecável da esposa ferida, tentando fazer parecer natural sua “perda” e praticando atos de alienação parental diante dos filhos, histérica, a cena de humor negro na qual Uma Thurman está perfeita, rende uma amargurada vontade de rir, diante de toda aquela angústia que o filme vai nos despertando.

As questões da insaciável Joe vão sendo colocadas sob signos comparativos pelo velho Seligman, o que desperta ainda mais a sensação de uma sessão de terapia. Suas histórias sexuais são comparadas à pesca da truta, ao Número de Ouro de Fibonacci e à polifonia de Bach.

Dentro da narrativa de Joe, algo nos afasta das analogias matemáticas propostas por Seligman: é o tal “ingrediente secreto” do sexo, que aponta para o amor, na figura recorrente de Jerôme (Shia Labouef), o personagem colocado por Joe nas mais distintas situações fantasiosas (fantasiosas?), o “cara da mobilete” que a desvirgina friamente e que mais tarde aparece com outras roupagens, deixando o velho, e a nós todos, incrédulos sobre a veracidade de sua existência na história contada.

O que nos atinge como uma bofetada em Nymphomaniac ao seu final é a impossibilidade de amar, apesar do desejo.

Eu não sinto nada”, confessa Joe ao velho, após narrar a morte do pai, na qual a personagem chora por sua sexualidade através de uma cena que somente Lars Von Trier poderia idealizar, onde Joe se descreve “molhada” ao ver o pai morto na cama de hospital, que nos é mostrado por entre suas pernas abertas e de uma delas escorre lentamente uma  lágrima.

Nem um riso jocoso no cinema durante todo o filme. Quem não suporta sai da sala em silêncio.

Sobem os créditos e você quer ficar ali até a última letra, mesmo diante do expediente “cenas dos próximos capítulos” que macula levemente o filme após o final do primeiro volume.

Agora só nos resta esperar por maio, entre a aflição e a falta de ares que te convoca a pensar sobre o gozo, a morte como única fusão possível, o amor, o desejo e o sentir como algo impossível. 

Sem Wagner, desta vez a trilha é hardcore, com destaque para a música  "Fuhre Michdo grupo heavy metal alemão Rammstein, que te sacode como um despertador para o filme: