sexta-feira, 31 de maio de 2013

ALGUMAS HORAS DE PRIMAVERA (2012)

Se você ficou assombrado com AMOUR, do Haneke, imagino o que poderá pensar de Quelques Heures de Printemps do diretor Stéphane Brizé.

Ah, os franceses, meldewlsdelcielo, OS FRANCESES!!!!!

Eu estou até agora catatônica com a capacidade que os europeus têm em tratar de temas tão áridos de forma tão precisa e preciosa!

Algumas Horas de Primavera é simplesmente uma irretorquível obra prima que trata da relação entre mãe e filho, mas poderia ser qualquer outra relação visceral de profundos laços, a sensação é a mesma... Ou quase.

É a história do homem de 48 anos, Alain Evrard (interpretado por Vincent Lindon), que ao sair da prisão após 18 meses, volta a morar com a mãe, viúva, a Sra. Yvette Evrard, interpretada pela maravilhosa Hélène Vincent.

Alain era motorista de caminhão e acabara sendo preso por contrabandear objetos a mando de seu chefe. Mas, quando sai da prisão, encontra dificuldades em encontrar trabalho e, no retorno à casa materna, bem se vê que há uma clara dificuldade de relacionamento ali, entre mãe e filho.

Num compasso lento, denso e que, mesmo assim, nos deixa colados ao filme, vamos sendo informados, junto com Alain, que aquela senhora sistemática, rígida e até um tanto quanto antipática, que implica muito com o filho, está em fase quase terminal de um câncer no cérebro.

A despeito disso, a mãe leva sua vida cotidiana de forma impecável e tem imensa força.

O filho, por seu turno, vai mostrando todas as características de uma imaturidade afetivo-relacional, que se acentua em suas atitudes grosseiras para com a mãe e até nas atitudes que tem com uma mulher, que conhece e com quem protagoniza belas cenas amorosas no filme.

Ambos, mãe e filho, são duros e orgulhosos... Há muito amor ali, vê-se, mas, como é mesmo na vida real, nenhum dos dois dá braço a torcer e assim se passam os dias até que Alain se informa melhor sobre a gravidade da doença da mãe e descobre, numa gaveta, que ela adquiriu um plano em uma associação, que lhe assegurará um suicídio assistido e indolor, caso sinta necessidade.

É um programa realizado na Suíça, já que a legislação francesa não o permitiria.

Em meio as sutilezas das relações humanas, vão se desenrolando ações que nos tocam profundamente o coração e alma sem que se utilizem de artifícios musicais emotivos; é quase como em Haneke: sem música. E digo quase porque, ao final, entra uma música, mas entra, assim, depois que já estamos completamente arrebatados pela ação, e entra a nos dizer que apesar de tudo a vida segue.

O filme todo é impecável, mas duas cenas, especialmente me marcaram para sempre de forma indelével:

A primeira é a que retrata a eutanásia da mãe no programa suíço, na companhia do filho, em um momento que se abre para questões tantas, mas marca mesmo pela declaração de amor de ambos, um ao outro, naquele momento final...

A outra é a cena final mesma, a última cena do filme, depois que já começou a tocar aquela música que nos informa que a vida segue. Só vendo, para entender... Só estando dentro do filme para sentir a grandeza desta cena final, tão simples e ao mesmo tempo tão avassaladora! É nessa hora que a angústia, a agonia e a raiva sentidas durante o decorrer do filme saem do seu peito e dão lugar a um sorriso e a um sentimento de que a vida é risivelmente simples.

Aliás, a expressão e os traços faciais e corporais emprestados a Alain pelo ator Vincent Lindon e a fragilidade determinadamente forte da mãe Yvette Evrard, presentes na belíssima interpretação de Hélène Vincent são parte ativa da beleza e sensibilidade deste filme.

Filme, não: obra prima que eu recomendo ajoelhada com as mãos postas em prece e a alma transfigurada louvando a capacidade dos franceses em construírem algo tão belo! Ah, os franceses...

AMOR PLENO (2012)

Você começa a assistir este filme e, já, no início, descobre que não é um filme e sim um poema visual com essência de amor. Já, no início, descobre que a linguagem é a mesma utilizada por Terrence Malick em “A Árvore da Vida” e, portanto, não pode ser assistido com expectativa de enredo, ou de começo, meio e fim.

Porém, se você se conectar com o poema, terá visto algo belo, inusitado e que diz com os relacionamentos amorosos e seus estágios, esses sim, todos com começo, meio e fim...

Começos encantadores, meios turbulentos e fins que dão origem a outros começos e recomeços e novos encantos e entardeceres luminosos em direção ao outro e ao âmago de si mesmo.

Para isso, Malick movimenta o corpo humano de forma tão real e em meio a fotografias vibrantes e também em movimento, que, se você se entregar, fará parte do filme com toda a poesia de sua vida concentrada no amor.

É um filme vermelho. É um filme do Amor. É mesmo pleno!


quinta-feira, 30 de maio de 2013

CASAMENTO SILENCIOSO (NUNTA MUTA -2008)

“Aconteceu na Romênia, em 1953” – é o crédito que sobe ao final desta coprodução entre Romênia, França e Luxemburgo com direção do romeno Horatiu Malaele.

Com um time dramático tragicômico e burlesco, o filme se inicia nos dias atuais, com uma equipe de filmagem que se diz buscadora de histórias paranormais, chegando ao pátio do que já foi uma fábrica na Romênia e nos informando, jocosamente, que antes ali fora “uma vila que os comunistas destruíram para levantar uma fábrica que agora está sendo destruída para construir uma vila para ricos”.

Remetidos para o passado, somos conduzidos a uma história, que nos é mostrada de forma deliciosa, sobre os personagens daquela vila romena, com suas tradições e peculiaridades, que está sujeita às barbáries russas.

Um casamento será celebrado, tudo está farta e festivamente preparado, a alegria toma conta de todos os convidados, muita música, comida e bebida, mas soldados russos chegam e avisam que Stalin está morto e nenhuma comemoração poderá ser realizada sob pena de ser tratada como alta traição.

Criativamente, após a saída dos soldados russos, decide-se realizar a festa em silêncio e o que se passa a partir daí é sensacional. Algo que nos remete à comédia italiana, ainda que seja uma “festa de polacos”. Denunciando, em meio ao cômico, a tragédia dos regimes ditatoriais.

A vida, a alegria e a desobediência civil são elementos constantes na história, como a nos dar a trilha do que pode nos salvar do autoritarismo.

Filme delicioso, poético, teatral, inteligente, diferente. Eu recomendo!


domingo, 12 de maio de 2013

JOSÉ & PILAR (2010)


"Um dia escrevi que tudo é autobiografia; que a vida de cada um de nós, estamos contando enquanto fazemos e dizemos; nos gestos, na maneira como andamos e olhamos, como viramos a cabeça ou apanhamos um objeto no chão. Queria eu dizer, então, que vivendo rodeado de sinais, nós próprios somos um sistema de sinais. Seja como for, que os leitores se tranquilizem: este Narciso que hoje se contempla na água, desfará, amanhã, com sua própria mão, a imagem que o contempla". - José Saramago

Em Azinhaga, Portugal, eternizou-se o encontro amoroso etre duas esquinas que se cruzam, cujas ruas se chamam José Saramago e Pilar Del Río.

Difícil dizer qual dos dois é mais lindo, José Saramago ou sua companheira e fiel escudeira, a jornalista espanhola Pilar Del Río.

Saramago nasceu em Azinhaga, de uma humilde família portuguesa, e somente se tornou escritor após os 60 anos de idade. Tinha 27 anos a mais que o amor de sua vida, Pilar, com quem conviveu por mais de 20 anos.

Por conta de ter ido morar na Espanha após ter recebido Nobel de Literatura, em 1998, Portugal manteve com ele uma relação de indiferença, e até hostil, por muitos anos, o que, felizmente, foi revertido ainda antes da morte de Saramago.

Miguel Gonçalves Mendes dirige o filme a partir da coleta de 240 horas de material sobre o cotidiano de José e Pilar que, portanto, são os próprios atores de seus personagens reais.

O filme se desenvolve em torno da criação e lançamento do livro "A Viagem do Elefante", de Saramago.

Os quatro anos de filmagens resultaram em um filme inicial com seis horas de duração, das quais Saramago pode assistir a uma versão com três horas, antes de morrer.

A edição do filme durou mais de um ano e meio.

Para convencer o casal a filmar, o diretor Miguel Gonçalves Mendes levou seis meses.

O resultado é um filme surpreendente onde somos levados ao dinâmico e cultural universo de Saramago e Pilar, nos deparando com um relacionamento belíssimo de dois seres que fazem jus ao adjetivo "humanos".

Saramago, o carismático comunista ateu que quando o vestiam com roupa de marca, pedia que arrancassem com a tesoura a etiqueta da Armani, nos presenteia com passagens belíssimas de sua vida, já perto dos 84 anos de idade, sempre ativa e produtiva.

Destaque para suas declarações sobre religião, após a leitura de um trecho de seu livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", onde Jesus clama, sobre seu pai "Homens, perdoai-lhe, por que ele não sabe o que faz":

 É uma aldrabice, pá, uma aldrabice completa... Eu fui uma ou duas vezes à missa, quando tinha 6 anos, mas eu não... Enfim, aquilo não me convenceu nada, pá. E fui eu quem disse a minha mãe: 'não, eu não vou a isso...' E não fui... E Nunca mais... E não tive nenhuma crise religiosa, e não tenho medo da morte, não tenho medo inferno, não tenho medo, digamos, do castigo eterno pelos pecados... Que pecados? Pecados? O que é isso, o pecado, pá? Quem é que inventou o pecado? A partir do momento em que se inventa o pecado, o inventor passa a dispor de um instrumento de domínio sobre o outro, tremendo! E foi o que a igreja fez, e já não faz tanto, porque, coitados, já não têm nem metade do poder que tinham, é mais uma farsa, mais uma farsa trágica... Deus... Onde está? Antigamente, dizia-se: 'está no céu'. Mas, o céu não existe! Não há céu! Não há céu! O que é isso, pá, céu? Há o espaço. Há 13 mil milhões de anos-luz. Imagina, pá...
Os limites do universo se encontram há 13 mil e 700 milhões de anos-luz... Anos-luz! Onde está deus? Quem quiser crer, creia e acabou-se! Eu digo em alto e bom som, que não, enfim, para mim, não. E repara que com 83 anos já seria uma boa altura para começar a pensar no futuro, quer dizer, uma pessoa, durante a vida, pode fazer umas quantas tonteiras, dizer umas quantas barbaridades a respeito do senhor deus, mas quando chega aos 83 tem de, deveria começara a ter um bocadinho de cuidado com o que diz. Mas isso não muda nada a realidade. A realidade continua a ser igual à de sempre: nascer, viver e morrer, e acabou. Mais nada. Que isso não aconteça. Espero morrer lúcido e de olhos abertos. Pelo menos gostaria, que fosse assim.


A força e o caráter de Pilar, se refletem bem no trecho do filme em que ela declara:


A mim o que me parece é que a razão tem que prevalecer sobre a vontade. Isso parece o que há de mais frio e o que há de mais forte que se pode dizer, mas creio que somos racionais, e temos a obrigação de ser racionais e de não nos deixar levar, jamais, pelo instinto. Ou seja, recuso-me, recuso-me a chorar e a ficar insatisfeita e deprimida. “Ah, mas é que a depressão existe...” Sim, pois sim, mas tomamos uns comprimidos e vamos trabalhar, ponto! Sou a favor dos fármacos. Ouve, uma vida inteira sofrendo com dores quando há a Medicina, que nos ajuda, e vêm agora uns quantos gurus dizer: “Não... É que fazem mal!” Não, o que faz mal é passar mal! É preciso desdramatizar! Sobretudo nós, os privilegiados... Eu não posso estar e não posso me dar ao luxo de estar desesperada, nem sem esperança, nem triste, porque tenho tudo, e mais, tenho, inclusive, a força para combater, o que é o maior privilégio!


Pilar, que era uma grande feminista e libertária, quando assumiu a presidência da Fundação Saramago, respondeu a um jornalista português, que a entrevistava iniciando por perguntar como era ser presidente de uma fundação: “Presidenta! Faço questão que comeces a entrevista dizendo que só os néscios me chamam presidente. A palavra não existia porque não existia a função. Existe a função, existe a palavra que denomina a função. Sou presidenta e quem me chamar de presidente é néscio!”

Ao ser perguntada por uma amiga porque seu feminismo era tão radical, Pilar não titubeia: “Meu feminismo é extremamente radical, porque tenho que compensar a falta de feminismo que têm algumas.

O filme traz, ainda, a emoção de Saramago ao assistir o filme do Fernando Meirelles sobre sua obra “Ensaio sobre a cegueira” e as declarações de amor que fez publicamente à companheira, quando esteve no Brasil para o lançamento de seu livro “A Viagem do Elefante”: “Se eu tivesse morrido antes de conhecer a Pilar, teria morrido muito mais velho do que eu sou.











sábado, 11 de maio de 2013

DENTRO DA CASA (2012)

Um filme genial sobre Germain, um entendiado professor de francês, frustrado como escritor e muito crítico em em relação à péssima qualidade literária de seus alunos,  que acaba encontrando entre eles, Claude, um jovem cujo estilo literário lhe chama a atenção.

Tudo começa com a leitura de uma redação, escrita por Claude, cujo tema dado pelo Germain era algo como "meu final de semana". Dentre tantas redações medíocres que Germain, corrigindo os trabalhos em casa, lê para sua esposa,  Jeanne, dona de uma decadente galeria de arte, a de Claude lhes surpreende, pela qualidade do estilo e uma peculiaridade.

É que Claude descreve o modo como sempre quis entrar na casa de seu colega de uma forma voyeur que desperta no professor o interesse incontrolável de devorar novos capítulos daquela observação, muito provavelmente porque vê, no aluno, a capacidade de criação literária que nunca encontrou em si.

O que se vê a partir daí é uma trama simplesmente genial, onde a história vai se construindo a partir de cada ida de Claude à casa de seu colega; cada redação trazida pelo aluno para o professor, que passa a orientá-lo obsessivamente, tem, ao final a palavra "(continua...)".

E assim vão se revelando os desejos do adolescente dentro da casa do amigo, os defeitos da família do amigo, tudo de dentro da casa, literatura que acaba mexendo com a estrutura estagnada que há tempos reinava, também, dentro da casa do Professor Germain.

A direção é de François Ozon, que também é responsável pelo roteiro, uma adaptação da peça teatral “O Menino da Última Fila” de Juan Mayorga. François Ozon cria diálogos incríveis e tem o poder de nos deixar absortos, presos ao filme, até que suba o último crédito depois do final, todos exercitando de forma criativa nosso voyeurismo, Claude, Germain e, sobretudo, nós, que a tudo assistimos confortavelmente.